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quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Vory v Zakone - Máfia Russa


Em meio à incerteza política e econômica que se passou na União Soviética em seus anos finais, o crime organizado, que até então era limitado a prisioneiros e às forças policiais, se expandiu e se desenvolveu, mais formalmente no ano de 1988, quando o governo realizava políticas de aberturas em várias esferas, principalmente na econômica, com as privatizações de diversos setores estratégicos para a economia da nação. Em 1993, o governo fez uma distribuição de cheques no valor de mil rublos para que a população em geral comprasse ações de companhias estatais, com o objetivo de incentivar a iniciativa privada. Contudo, os cidadãos comuns e pouco acostumados com o sistema capitalista, não sabiam onde e como aplicar os cheques, e em meio à ânsia de obter qualquer valor monetário que fosse para se livrar da pobreza, os vendiam para compradores a um preço muito menor do que os das ações. Isso resultou na falência do plano de cheques e na consequente compra de ações por parte de uma camada privilegiada da população, enquanto a grande maioria do povo empobrecia. Estes indivíduos privilegiados ficaram conhecidos como oligarcas russos.


A máfia russa ficou conhecida pelas operações e transações obscuras, pelo seu forte poder bélico e por sua facilidade em driblar os sistemas de leis do país. Inclusive, os chefes da Máfia costumavam, em seu ápice, nos anos 1990, ter assombrosa influência na legislação do país, contestando as leis que fossem contra seus negócios, fazendo jus ao apelido de "Vory v Zakone" — Bandidos dentro da Lei. A corrupção gerada pelas organizações era tanta que os criminosos chegavam até mesmo a manipular e empregar o próprio presidente russo, Boris Ieltsin, para obter benefícios, em troca de favores e apoio ao cargo. As organizações criminosas russas tinham tanto poder no país neste tempo que não era raro encontrar pessoas comuns e de baixa renda que realizassem serviços para elas. Com a chegada do presidente Vladimir Putin, em 2000, e sua consolidação no cargo, a máfia russa viveu uma crise sem precedentes, já que esse presidente, que contava com o cego apoio dos criminosos, sem nenhum tipo de advertência, tornou possíveis diversas estatizações de setores que estavam nas mãos da máfia russa, e ainda manteve, em tornou de si mesmo, uma força que reprimia até mesmo o poder judiciário, conseguindo assim conter a poderosa máfia russa, às vezes pelos meios que a própria utilizava. Com a acusação e eliminação de diversos oligarcas e agentes corruptos da polícia, principalmente judeus, a máfia russa perdeu muitos de seus contatos internos, como Roman Abramovich, Boris Berezovsky, Alexander Litvinenko, Mikhail Khodorkovski, Mikhail Prokhorov, entre outros, assim transferindo seu centro de atividades para o estrangeiro, agindo principalmente na Grã-Bretanha.
Com as falências, compelidas ou não, de muitas de suas associações na Federação Russa, as principais lideranças da máfia russa migraram para outros grupos de atividades similares, enquanto as ditas associações migraram para atividades lícitas ou para a própria prisão. Devido a esse "fenômeno", o ano de 2007 é considerado, inclusive por antigos membros, como o ano da ruína da Máfia Russa. Há, porém, muitos que crêem que, apesar da quebra da máfia judaica, a Rússia ainda é assombrada por organizações mafiosas, originárias, ironicamente, do combate aos antigos grupos, devido ao poder que se conquistou durante aquele período. Para estes, esta máfia é dirigida pelo mais importante político russo da atualidade, Vladimir Putin.
Nascidos nos campos de prisioneiros de Stalin, os Vory se transformaram nos barões do crime, assumindo o status de elite do submundo na Rússia. Possuem um rigoroso código de honra e lealdade, e até um dialeto próprio, características que se refletem em suas tatuagens. Eles estão envolvidos em todo tipo de prática criminosa, desde pequenos roubos, prostituição, trafico de drogas e de armas, ate esquemas de lavagens de bilhões de dólares.
Os simbolismos desta facção são tão complexos e secretos quanto ela mesma. Saber identificar suas tatuagens pode trazer detalhes precisos sobre a vida do tatuado. Assim como as imagens dos ortodoxos russos representam os trabalhos piedosos dos santos, as tatuagens dos Vory detalham suas façanhas criminais. E é essa riqueza de informação que torna esta prática característica da máfia Russa.
Através das suas tatuagens é possível saber aonde o mafioso as fez, qual presídio que esteve condenado, o número de condenações a que respondeu processo, se é órfão, se atua no campo ou na cidade, se é descendente de membros da máfia, quais tipos de crimes praticados, se é viciado em drogas, se passou por centros de reabilitação juvenil, se é antissemita e se é fugitivo, dentre outros aspectos possíveis de serem deduzidos a partir da análise das suas gravações corporais.
Outra característica interessante das tatuagens de cadeia é a técnica desenvolvida para gravação de corpos. Máquinas de tatuar feitas com motor de barbeador, agulhas com cordas de violão, fabricação da tinta a partir da raspa da borracha da bota dos detentos misturada à própria urina do tatuado, ou até cinzas de cigarro com saliva, e suas demais variações de acordo com os materiais disponíveis para no cárcere. Essa técnica improvisada confere aos desenhos uma estética particular, um aspecto rudimentar característico do seu modo de produção. Traços grossos pela falta de precisão dos instrumentos, falhas, distorções, borrados provocados pelo movimento do pigmento no tecido subcutâneo, interrupções na plasticidade da imagem provocadas por inflamações, uma cicatrização inadequada conseqüência da falta de higiene e até mesmo os desenhos primitivos e sem estudos elaborados são elementos estéticos marcantes deste tipo incisão no corpo.


Mosteiros, igreja e catedrais são como metáforas para presídios,as vezes aparecendo junto asinscrições como “A Igreja é a casa de Deus”, subtendendo-se “a Cadeia é a casa do Ladrão”. O numero de torres indicam os anos de condenação ou o numero de vezes que foi preso.

Esta tatuagem indica alto cargo na hierarquia da Máfia, como capitão, major etc. já o crânio geralmente designa assassinos.

Os Vory v Zakone não costumam tatuar o rosto, porém a complexidade e a riqueza de seu código chamam a atenção. Sendo uma organização hierárquica, as tatuagens têm o papel de classificar essa escala social dentro da facção, podendo até ser removida com processos químicos caso um membro perca um determinado cargo. O uso destas tatuagens pode ser voluntário ou forçado, como forma de punição do indivíduo dentro da sociedade criminosa. E aqueles que possuem tatuagens com os símbolos russos sem o devido merecimento pode ser punido com a morte.
Fonte: http://taiom.blogspot.com.br/2010/09/vor-v-zakone-mafia-russa.html

Assassinato de mafioso encerra uma era

Com o assassinato do chefe do submundo russo, Aslan Usoian (também conhecido como Ded Khasan), a disciplina da velha guarda do vory v zakone morre junto e deixa futuro incerto para o crime organizado no país.
Ilustração: Niyaz Karim

A única bala 9 milímetros que acabou com a vida do notório mafioso Aslan Usoian também deu fim a uma era. Embora ainda existam bandidos que se autodenominam vory v zakone, (“ladrões dentro do código”, em português) essa irmandade do submundo russo que remonta à época soviética está quase extinta.
O rígido código de conduta, a autodisciplina quase monástica e a disposição de ir para a prisão em vez de trair uma promessa, tudo isso faz parte do passado mitológico da máfia russa. O futuro, por sua vez, pertence a uma espécie muito diferente de criminosos.
Usoian, proveniente de uma minoria étnica curda da Geórgia, ficou bastante conhecido pelo codinome Ded Khasan (“Vovô Khassan”, em português) e era praticamente a última figura sênior do submundo ainda viva. Ele foi admitido no vory v zakone dentro de um presídio em 1985, e desde então construiu uma rede multiétnica de criminosos que se estendeu por grande parte do país.
Aos 75 anos, ele já havia há muito tempo desistido de se envolver diretamente em atividades criminosas. Em vez disso, desempenhava o papel de veterano: identificando oportunidades, resolvendo conflitos, aceitando homenagens e, quando necessário, afirmando sua autoridade perante seus subordinados e até em relação a forasteiros.
No decorrer de sua trajetória nem é preciso dizer que fez inimigos de peso como o gângster georgiano Tariel Oniani (“Taro”), que está na prisão, mas não é menos influente por causa disso, e o talentoso Azeri Rovshan Janiev.
Fim do código
O submundo da Rússia não é mais do tipo em que acordos celebrados com um aperto de mão são sagrados, no qual padrinhos podem exibir seu status (Usoian era frequentemente paparicado em restaurantes de Moscou) ou que ser um gângster é o bastante. Tanto Oniani como Janiev são tecnicamente vory, mas como a maioria que ainda reclama o título, eles não seguem o código e não seriam reconhecidos como vory pelos tradicionalistas da época soviética.
Os chefes do crime da nova geração, pertencentes à chamada avtoriteti (“autoridades”, em português) são uma espécie mais refinada e cínica. As tatuagens elaboradas e os apelidos  animados não são mais características típicas do grupo. Trata-se de empresários criminosos que combinam e mascaram seus negócios no submundo com iniciativas legítimas e que constroem alianças com as elites políticas em nível local e nacional.
Ao contrário de Usoian, que basicamente limitava as suas operações à Rússia (com alguns ligações na Ucrânia e na Geórgia), suas ambições são internacionais. Eles também são predominantemente de origem russa em vez de georgianos, tchetchenos e outros do sul, que ainda se apegam a tradições mais antigas e machistas.
Gângsteres domados
Mas a morte de Usoian possivelmente põe fim também a outra era: mais de uma década de paz no submundo. A Rússia se viu partida por conflitos violentos durante a década de 1990. Gangues lutavam para ocupar o espaço vazio deixado pela queda do Estado soviético e abocanhar território e recursos, enquanto o governo não dispunha dos recursos e da vontade de lutar de volta.
Mesmo antes de Pútin assumir a presidência em 2000, os conflitos estavam começando a ser resolvidos. No entanto, ele também acelerou este processo, tanto pelo aumento dos fundos para a polícia como também deixando claro que não iria tolerar o banditismo aberto nas ruas.
O crime organizado não foi de forma alguma derrotado, mas, pelo menos, domado. Foi adaptado à nova ordem e embora tenha continuado a recorrer à violência para acertar as contas e punir adversários com alguma frequência, essas ações foram realizadas de forma muito mais precisa.
Heroína afegã
No entanto, essa nova ordem pode estar próxima de uma ruptura. Uma nova geração de gângsteres querem sua fatia do bolo. Quadrilhas antes poderosas ficaram empobrecidas em meio à crise financeira de 2008. Paralelamente, outros grupos se tornaram subitamente ricos, porque estão se beneficiando com a crescente quantidade de heroína afegã que chega à Rússia, atravessando todo o país. É a chamada “Rota do Norte” para a Europa e China. Os alicerces do antigo status quo parecem estar ruindo.
O sucessores de Usoian irão quase inevitavelmente contra-atacar quem quer que eles acreditem ser responsável por seu assassinato. Sua rede pode estilhaçar ao longo das linhas de facções ou étnicas ou enfrentar uma luta interna pela sucessão. Ele queria que seu sobrinho “Miron” assumisse seu lugar, mas há muitos que se perguntam se ele está à altura do cargo. 
Dada à natureza precária do atual equilíbrio de poder no submundo, qualquer um desses acontecimentos poderia proporcionar a faísca necessária para estimular uma nova rodada de guerras sangrentas da máfia. Mesmo se isso não acontecer, porém, é provável que haverá uma reorganização no mundo do crime uma vez que o “avtoriteti” completar seu ciclo de origem a dominação. De uma forma ou outra, a era de Usoian e do vory zakone chegou ao fim.

Mark Galeotti é professor de Assuntos Internacionais na Universidade de Nova York. Seu blog “Nas sombras de Moscou” pode ser lido aqui




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