Em meio à incerteza
política e econômica que se passou na União
Soviética em seus anos finais, o
crime organizado, que até então era limitado a prisioneiros e às forças
policiais, se expandiu e se desenvolveu, mais formalmente no ano de 1988, quando o governo realizava
políticas de aberturas em várias esferas, principalmente na econômica, com as privatizações de diversos setores
estratégicos para a economia da nação. Em 1993,
o governo fez uma distribuição de cheques no valor de mil rublos para que a
população em geral comprasse ações de companhias estatais, com o objetivo de
incentivar a iniciativa privada. Contudo, os cidadãos comuns e pouco
acostumados com o sistema capitalista,
não sabiam onde e como aplicar os cheques, e em meio à ânsia de obter qualquer
valor monetário que fosse para se livrar da pobreza, os vendiam para
compradores a um preço muito menor do que os das ações. Isso resultou na
falência do plano de cheques e na consequente compra de ações por parte de uma
camada privilegiada da população, enquanto a grande maioria do povo empobrecia.
Estes indivíduos privilegiados ficaram conhecidos como oligarcas russos.
A máfia russa ficou
conhecida pelas operações e transações obscuras, pelo seu forte poder bélico e
por sua facilidade em driblar os sistemas de leis do país. Inclusive, os chefes
da Máfia costumavam, em seu ápice, nos anos
1990, ter assombrosa influência na legislação do país, contestando as leis que
fossem contra seus negócios, fazendo jus ao apelido de "Vory v Zakone" —
Bandidos dentro da Lei. A corrupção gerada pelas organizações era tanta que
os criminosos chegavam até mesmo a manipular e empregar o próprio presidente
russo, Boris Ieltsin,
para obter benefícios, em troca de favores e apoio ao cargo. As organizações
criminosas russas tinham tanto poder no país neste tempo que não era raro encontrar
pessoas comuns e de baixa renda que realizassem serviços para elas. Com a
chegada do presidente Vladimir
Putin, em 2000, e sua
consolidação no cargo, a máfia russa viveu uma crise sem precedentes, já que
esse presidente, que contava com o cego apoio dos criminosos, sem nenhum tipo
de advertência, tornou possíveis diversas estatizações de setores que estavam
nas mãos da máfia russa, e ainda manteve, em tornou de si mesmo, uma força que
reprimia até mesmo o poder judiciário, conseguindo assim conter a poderosa
máfia russa, às vezes pelos meios que a própria utilizava. Com a acusação e
eliminação de diversos oligarcas e agentes corruptos da polícia,
principalmente judeus, a máfia russa
perdeu muitos de seus contatos internos, como Roman Abramovich, Boris
Berezovsky, Alexander Litvinenko, Mikhail Khodorkovski, Mikhail
Prokhorov, entre outros, assim transferindo seu centro de atividades
para o estrangeiro, agindo principalmente na Grã-Bretanha.
Com
as falências, compelidas ou não, de muitas de suas associações na Federação
Russa, as principais lideranças da máfia russa migraram para outros grupos de
atividades similares, enquanto as ditas associações migraram para atividades
lícitas ou para a própria prisão. Devido a esse "fenômeno", o ano de 2007 é
considerado, inclusive por antigos membros, como o ano da ruína da Máfia Russa.
Há, porém, muitos que crêem que, apesar da quebra da máfia judaica, a Rússia ainda é assombrada
por organizações mafiosas, originárias, ironicamente, do combate aos antigos
grupos, devido ao poder que se conquistou durante aquele período. Para estes,
esta máfia é dirigida pelo mais importante político russo da atualidade, Vladimir Putin.
Nascidos nos campos
de prisioneiros de Stalin, os Vory se transformaram nos
barões do crime, assumindo o status de elite do submundo na Rússia. Possuem um
rigoroso código de honra e lealdade, e até um dialeto próprio, características
que se refletem em suas tatuagens. Eles estão envolvidos em todo tipo de prática
criminosa, desde pequenos roubos, prostituição, trafico de drogas e de armas,
ate esquemas de lavagens de bilhões de dólares.
Os simbolismos desta facção são tão complexos e
secretos quanto ela mesma. Saber identificar suas tatuagens pode trazer detalhes
precisos sobre a vida do tatuado. Assim como as imagens dos ortodoxos
russos representam os trabalhos piedosos dos santos, as tatuagens dos Vory detalham
suas façanhas criminais. E é essa riqueza de informação que torna esta prática
característica da máfia Russa.
Através das suas tatuagens é possível saber aonde o
mafioso as fez, qual presídio que esteve condenado, o número de condenações a
que respondeu processo, se é órfão, se atua no campo ou na cidade, se é
descendente de membros da máfia, quais tipos de crimes praticados, se é viciado
em drogas, se passou por centros de reabilitação juvenil, se é antissemita e se
é fugitivo, dentre outros aspectos possíveis de serem deduzidos a partir da
análise das suas gravações corporais.
Outra característica interessante das tatuagens de
cadeia é a técnica desenvolvida para gravação de corpos. Máquinas de tatuar
feitas com motor de barbeador, agulhas com cordas de violão, fabricação da
tinta a partir da raspa da borracha da bota dos detentos misturada à própria urina
do tatuado, ou até cinzas de cigarro com saliva, e suas demais variações de
acordo com os materiais disponíveis para no cárcere. Essa técnica improvisada
confere aos desenhos uma estética particular, um aspecto rudimentar
característico do seu modo de produção. Traços grossos pela falta de precisão
dos instrumentos, falhas, distorções, borrados provocados pelo movimento do
pigmento no tecido subcutâneo, interrupções na plasticidade da imagem
provocadas por inflamações, uma cicatrização inadequada conseqüência da falta
de higiene e até mesmo os desenhos primitivos e sem estudos elaborados são
elementos estéticos marcantes deste tipo incisão no corpo.
Mosteiros, igreja e catedrais são como metáforas
para presídios,as vezes aparecendo junto asinscrições como “A Igreja é a casa
de Deus”, subtendendo-se “a Cadeia é a casa do Ladrão”. O numero de torres
indicam os anos de condenação ou o numero de vezes que foi preso.
Esta
tatuagem indica alto cargo na hierarquia da Máfia, como capitão, major etc. já
o crânio geralmente designa assassinos.
Os Vory v Zakone não costumam tatuar o rosto,
porém a complexidade e a riqueza de seu código chamam a atenção. Sendo uma
organização hierárquica, as tatuagens têm o papel de classificar essa escala
social dentro da facção, podendo até ser removida com processos químicos caso
um membro perca um determinado cargo. O uso destas tatuagens pode ser
voluntário ou forçado, como forma de punição do indivíduo dentro da sociedade
criminosa. E aqueles que possuem tatuagens com os símbolos russos sem o devido
merecimento pode ser punido com a morte.
Fonte: http://taiom.blogspot.com.br/2010/09/vor-v-zakone-mafia-russa.html
Assassinato de
mafioso encerra uma era
Com o assassinato do chefe do submundo russo, Aslan Usoian (também
conhecido como Ded Khasan), a disciplina da velha guarda do vory v zakone morre
junto e deixa futuro incerto para o crime organizado no país.
Ilustração: Niyaz Karim
A única bala 9 milímetros que acabou com a vida do notório mafioso Aslan
Usoian também deu fim a uma era. Embora ainda existam bandidos que se
autodenominam vory v zakone, (“ladrões dentro do código”, em português) essa
irmandade do submundo russo que remonta à época soviética está quase extinta.
O rígido código de conduta, a autodisciplina quase monástica e a
disposição de ir para a prisão em vez de trair uma promessa, tudo isso faz
parte do passado mitológico da máfia russa. O futuro, por sua vez, pertence a
uma espécie muito diferente de criminosos.
Usoian, proveniente de uma minoria étnica curda da Geórgia, ficou
bastante conhecido pelo codinome Ded Khasan (“Vovô Khassan”, em português) e
era praticamente a última figura sênior do submundo ainda viva. Ele foi
admitido no vory v zakone dentro de um presídio em 1985, e desde então
construiu uma rede multiétnica de criminosos que se estendeu por grande
parte do país.
Aos 75 anos, ele já havia há muito tempo desistido de se envolver
diretamente em atividades criminosas. Em vez disso, desempenhava o papel de
veterano: identificando oportunidades, resolvendo conflitos, aceitando
homenagens e, quando necessário, afirmando sua autoridade perante seus
subordinados e até em relação a forasteiros.
No decorrer de sua trajetória nem é preciso dizer que fez inimigos de
peso como o gângster georgiano Tariel Oniani (“Taro”), que está na prisão, mas
não é menos influente por causa disso, e o talentoso Azeri Rovshan Janiev.
Fim do código
O submundo da Rússia não é mais do tipo em que acordos celebrados com um
aperto de mão são sagrados, no qual padrinhos podem exibir seu status (Usoian
era frequentemente paparicado em restaurantes de Moscou) ou que ser um gângster
é o bastante. Tanto Oniani como Janiev são tecnicamente vory, mas como a
maioria que ainda reclama o título, eles não seguem o código e não seriam
reconhecidos como vory pelos tradicionalistas da época soviética.
Os chefes do crime da nova geração, pertencentes à chamada avtoriteti
(“autoridades”, em português) são uma espécie mais refinada e cínica. As
tatuagens elaboradas e os apelidos animados não são mais características
típicas do grupo. Trata-se de empresários criminosos que combinam e mascaram
seus negócios no submundo com iniciativas legítimas e que constroem alianças
com as elites políticas em nível local e nacional.
Ao contrário de Usoian, que basicamente limitava as suas operações à
Rússia (com alguns ligações na Ucrânia e na Geórgia), suas ambições são
internacionais. Eles também são predominantemente de origem russa em vez de
georgianos, tchetchenos e outros do sul, que ainda se apegam a tradições mais
antigas e machistas.
Gângsteres domados
Mas a morte de Usoian possivelmente põe fim também a outra era: mais de
uma década de paz no submundo. A Rússia se viu partida por conflitos violentos
durante a década de 1990. Gangues lutavam para ocupar o espaço vazio deixado
pela queda do Estado soviético e abocanhar território e recursos, enquanto o
governo não dispunha dos recursos e da vontade de lutar de volta.
Mesmo antes de Pútin assumir a presidência em 2000, os conflitos estavam
começando a ser resolvidos. No entanto, ele também acelerou este processo,
tanto pelo aumento dos fundos para a polícia como também deixando claro que não
iria tolerar o banditismo aberto nas ruas.
O crime organizado não foi de forma alguma derrotado, mas, pelo menos,
domado. Foi adaptado à nova ordem e embora tenha continuado a recorrer à
violência para acertar as contas e punir adversários com alguma frequência,
essas ações foram realizadas de forma muito mais precisa.
Heroína afegã
No entanto, essa nova ordem pode estar próxima de uma ruptura. Uma nova
geração de gângsteres querem sua fatia do bolo. Quadrilhas antes poderosas
ficaram empobrecidas em meio à crise financeira de 2008. Paralelamente, outros
grupos se tornaram subitamente ricos, porque estão se beneficiando com a
crescente quantidade de heroína afegã que chega à Rússia, atravessando todo o
país. É a chamada “Rota do Norte” para a Europa e China. Os alicerces do antigo
status quo parecem estar ruindo.
O sucessores de Usoian irão quase inevitavelmente contra-atacar quem
quer que eles acreditem ser responsável por seu assassinato. Sua rede pode
estilhaçar ao longo das linhas de facções ou étnicas ou enfrentar uma luta
interna pela sucessão. Ele queria que seu sobrinho “Miron” assumisse seu lugar,
mas há muitos que se perguntam se ele está à altura do cargo.
Dada à natureza precária do atual equilíbrio de poder no submundo,
qualquer um desses acontecimentos poderia proporcionar a faísca necessária para
estimular uma nova rodada de guerras sangrentas da máfia. Mesmo se isso não
acontecer, porém, é provável que haverá uma reorganização no mundo do crime uma
vez que o “avtoriteti” completar seu ciclo de origem a dominação. De uma forma
ou outra, a era de Usoian e do vory zakone chegou ao fim.
Mark Galeotti é professor de Assuntos Internacionais na Universidade de Nova
York. Seu blog “Nas sombras de Moscou” pode ser lido aqui
Nenhum comentário:
Postar um comentário