Nove anos após a expulsão dos franceses, o território colonial
brasileiro sofreu uma invasão holandesa, em 1624. Os motivos que traziam
os holandeses ao Brasil eram muito diferentes.
Para compreendê-los, é necessário fazer algumas considerações sobre o
período em que Portugal (União Ibérica) esteve sob o domínio espanhol,
bem como sobre as relações internacionais da Espanha.
"Não existe pecado do
lado de baixo do Equador"
Gaspar Barleus
(1584-1648)
Após ter emergido como potência europeia, a Espanha perseguiu o objetivo
de unificar toda a península ibérica, incorporando Portugal ao seu território.
Os portugueses resistiram enquanto puderam. Mas, no século 16, alguns
acontecimentos contribuíram para a Espanha concretizar seus objetivos.
Em 1578, o rei dom Sebastião, último monarca da dinastia de Avis, morreu
e não deixou herdeiros. Então, o cardeal dom Henrique, único sobrevivente
masculino da linhagem de Avis, assumiu a regência. Com sua morte, em 1580, o
rei da Espanha, Felipe 2º; da mesma linhagem familiar, achou-se no direito de
ocupar o trono português e invadiu Portugal. O domínio espanhol sobre Portugal
duraria 60 anos, até 1640.
Espanha e Holanda
Contudo, antes disso, Portugal já havia estabelecido relações comerciais
com os ricos negociantes holandeses, que passaram a financiar a produção
açucareira no Brasil e a controlar toda a sua comercialização no mercado
europeu. Por outro lado, no mesmo período, a Espanha pretendia dominar todo o
território dos Países Baixos, na qual a Holanda estava situada, pois a
circulação de mercadorias naquela região contribuía significativamente para
abastecer os cofres do tesouro espanhol.
Não obstante, em 1581, sete províncias do Norte dos Países Baixos,
incluindo a Holanda, criaram a República das Províncias Unidas e passaram a
lutar por sua autonomia em relação aos espanhóis. Ao incorporar Portugal,
aproveitando-se do seu controle sobre o Brasil, a Espanha planejou impedir que
os holandeses continuassem a comercializar o açúcar brasileiro. Era uma
tentativa de sufocar economicamente a Holanda e impedir sua independência.
As invasões holandesas
Os holandeses reagiram rapidamente, concentrando seus esforços no
controle das fontes dos produtos que negociavam. Surgiu assim, em 1602, a
Companhia das Índias Orientais. Essa empresa, de porte enorme, se apossou dos
domínios coloniais portugueses no Oriente. Em decorrência dos êxitos desse
empreendimento, os holandeses criaram, em 1621, a Companhia das Índias
Ocidentais. Esta ficou encarregada de recuperar o controle do açúcar brasileiro
e monopolizar o seu comércio nos mercados europeus.
Para controlar a produção e comercialização do açúcar era necessário
ocupar e se apoderar de partes do território colonial brasileiro onde ele era
produzido. Desse modo,
contando com uma frota composta de 26 navios e 500
canhões, os holandeses iniciaram sua primeira invasão do Brasil em 1624.
Atacaram a cidade de Salvador, na época o centro administrativo da colônia.
Mas, um ano após terem chegado, foram expulsos, sem grandes dificuldades.
Uma segunda tentativa de invasão se deu em 1630, dessa vez em
Pernambuco. Os holandeses conseguiram conquistar as vilas de Olinda e Recife.
Houve combates, mas os invasores holandeses resistiram e estabeleceram o
controle de uma extensa parte do litoral brasileiro que ia do Sergipe ao
Maranhão. A Companhia das Índias Ocidentais nomeou um governador para
administrar o domínio recém conquistado, que ficou conhecido como o
Brasil-holandês.
Maurício de Nassau
Para o cargo de governador, foi nomeado o conde João Maurício de Nassau,
que chegou ao Recife em janeiro de 1637. No período em que governou o
Brasil-holandês, entre 1637 a 1644, Nassau procurou estabelecer uma
administração eficiente e um bom relacionamento com os senhores de engenho da
região. Desse modo, foram colocados a disposição dos proprietários de engenho
recursos financeiros, para serem utilizados na compra de escravos e de
maquinário para o fabrico do açúcar.
Nassau também criou as Câmaras dos Escabinos, que eram órgãos de
representação municipal, a fim de estimular a participação política da
população nas decisões de interesse local. Durante o governo de Nassau, as
vilas de Recife e Olinda passaram por um intenso processo de urbanização e
melhoramentos que mudaram completamente a paisagem local.
Com o fim do domínio espanhol sob Portugal, em 1640; o novo rei
português, D. João 4º, decidiu recuperar o Nordeste brasileiro retirando-o do
domínio holandês. Esse período coincidiu com o descontentamento dos senhores de
engenho do Nordeste brasileiro diante dos holandeses. Nassau já havia partido
e, para explorar ao máximo a produção do açúcar brasileiro, a Holanda adotou
inúmeras medidas impopulares, em especial o aumento dos impostos, o que
contrariava os interesses dos proprietários de engenho.
Batalhas contra os holandeses
A luta contra os holandeses no Nordeste brasileiro foi iniciada pelos
próprios senhores de engenho da região e durou cerca de dez anos. Sob iniciativa
dos senhores, os colonos da
região foram mobilizados e travaram várias batalhas
contra os holandeses. As mais importantes foram a de Guararapes e Campina de
Taborda.
Mas a expulsão definitiva dos holandeses teve início em junho de 1645,
em Pernambuco, através da eclosão de uma insurreição popular liderada pelo
paraibano André Vidal de Negreiros, pelo senhor de engenho João Fernandes
Vieira, pelo índio Felipe Camarão e pelo negro Henrique Dias. A chamada Insurreição
Pernambucana, chegou ao fim em 1654, tendo libertado o Nordeste brasileiro do
domínio holandês.
Porém, a expulsão dos holandeses do território brasileiro teria um
impacto negativo sobre a economia colonial. Durante o período em que estiveram
no Nordeste, os holandeses tomaram conhecimento de todo o ciclo da produção do
açúcar e conseguiram aprimorar os aspectos técnicos e organizacionais do
empreendimento. Quando foram expulsos do Brasil, dirigiram-se para as Antilhas,
ilhas localizadas na região da América Central.
O fim de um ciclo açucareiro
Lá montaram uma grande produção açucareira que, em pouco tempo, passou a
concorrer com o açúcar do Brasil e logo se impôs no mercado europeu.
Consequentemente, provocou a queda das exportações brasileiras. Já na segunda
metade do século 17, os engenhos brasileiros estavam em decadência.
Era o fim do chamado ciclo da cana-de-açúcar na história econômica do
Brasil. Restava a Portugal encontrar outros meios para explorar economicamente a
Colônia. Um novo ciclo de exploração colonial teria início com a descoberta de
riquezas minerais como o ouro, a prata e os diamantes, na região que ficaria
conhecida como a das Minas Gerais.
Renato Cancian, Especial para a Página 3 Pedagogia
& Comunicação é cientista social, mestre em sociologia-política e
doutorando em ciências sociais, é autor do livro "Comissão Justiça e Paz
de São Paulo: Gênese e Atuação Política -1972-1985" (Edufscar).
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