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segunda-feira, 10 de julho de 2017

Rebeldes de 32 pediram aviões aos EUA

Conforme registro do Itamaraty, no Rio, grupo chegou a pagar cerca de R$ 825 mil

 por 6 aeronaves; ministério de Getúlio impediu entrega






Sem armamento suficiente nem condições de adquirir material bélico em solo brasileiro para lutar contra o governo provisório de Getúlio Vargas, os rebeldes de São Paulo tentaram comprar seis aviões de guerra nos Estados Unidos em 1932, que entrariam no País via Bolívia. Em uma ação ousada, que contou com o auxílio de um tenente e um major norte-americanos, os revolucionários paulistas chegaram a pagar US$ 250 mil (o que hoje seriam R$ 825 mil) pelas aeronaves. Elas não foram entregues: o negócio foi interrompido graças a uma intervenção do Departamento de Estado americano, a pedido do Ministério das Relações Exteriores (MRE) de Vargas.
O plano foi relatado em comunicado sucinto enviado pelo MRE, do Rio, então capital federal, a seu embaixador em Washington, Rinaldo Lima e Silva, datado de 3 de setembro de 1932. Classificada como confidencial e tendo como assunto “Situação política interna”, a mensagem dizia (com grafia atualizada pela reportagem): “O Ministério da Guerra informa que os revolucionários de São Paulo procuram adquirir neste país seis aviões Curtiss, que devem vir via Bolívia. Renovamos a recomendação para que essa embaixada exerça a maior vigilância, a fim de evitar qualquer aquisição de material bélico para os rebeldes.”
Correspondência trocada por Brasil e EUA sobre tensão causada por conflito de 1932 está em volumes encadernados no Arquivo do Itamaraty, no Rio de Janeiro, e podem ser consultadas pelo público mediante agendamento Foto: Fabio Motta
Sozinhos, sem o apoio de insurgentes de outros Estados – os constitucionalistas do Rio, Minas e Rio Grande do Sul haviam sido presos ou derrotados –, os revoltosos paulistas tinham dificuldades de se armar. Recorreram à fabricação de artefatos improvisados, como explosivos, e o uso de engenhocas, como a matraca, feita de madeira e dotada de manivela, que produzia som semelhante ao de metralhadora, e tinha como objetivo assustar o oponente, retardando seu avanço no solo.
Entre milhares de documentos da diplomacia nacional, a comunicação Rio-Washington sobre a tensão provocada pela Revolução de 1932 está guardada em volumes encadernados e meticulosamente organizados pelo Arquivo Histórico do Itamaraty, no Rio. Tudo pode ser consultado pelo público, mediante agendamento.
A correspondência mostra que os contatos clandestinos Brasil-EUA eram feitos de uma estação telegráfica em Nova Jersey. Intermediada pelo tenente Lee Wade e pelo major Fleet, do Exército americano, que integrantes da “contrarrevolução” conheceram em passagem deles por São Paulo, a tentativa de aquisição das aeronaves denota a audácia de São Paulo no seu esforço de guerra. “Eles tinham muito pouco equipamento contra todo o poderio do Ministério da Guerra, e estavam sendo bombardeados, daí o desespero para ter aviões e armas modernas. Contavam que seria um movimento nacional, mas tudo acabou restrito a São Paulo”, lembra o historiador Marco Antônio Villa, autor do livro 1932: Imagens de uma Revolução (Imprensa Oficial de São Paulo).
As aeronaves não poderiam entrar no Brasil pela Região Sudeste (o Rio estava sob domínio de forças federais e Santos estava sitiada pelo mar e pelo ar), o que exigiria operação arriscada. Elas chegaram a ser parcialmente pagas com depósitos no Citibank em favor da Consolidate Air Craft, de Nova York. Quando a empresa foi alertada de que os compradores eram insurgentes brasileiros, cancelaram as tratativas. A posição oficial de Washington em relação ao levante em São Paulo era de neutralidade, no entanto, em nome do bom relacionamento bilateral, o Departamento de Estado dos Estados Unidos mandou mensagens tranquilizadoras a Lima e Silva sobre a empreitada rebelde. 
Mesmo desejo. Em pleno julho daquele ano, o governo Vargas também tratara de importar aviões para se fortalecer contra os rebeldes. Sem conflitos externos, a força aérea do Exército era obsoleta, datada ainda do início do século. Não havia sido criada a Força Aérea Brasileira (FAB) – o que aconteceu só em 1941. 
O desejo brasileiro foi expresso em telegrama confidencial do dia 15 de julho do MRE ao embaixador nos Estados Unidos, com a marca de urgente. “O governo brasileiro desejaria adquirir urgentemente aviões militares americanos do último modelo em uso nas forças aéreas desse país. O Ministério da Guerra informa que esse modelo é secreto. Não obstante desejamos que Vossa Excelência procure informações, se possível, sobre preços e especificações e facilidades para vinda imediata.” 
Na mesma mensagem, no entanto, o governo buscava passar serenidade acerca da turbulência interna à sua missão diplomática nos Estados Unidos: “Situação aqui perfeitamente tranquila, mantendo o governo o cerco aos rebeldes e procurando dominá-los com o menor sacrifício material e de vidas.”
O fluxo de mensagens com esse conteúdo foi intenso nos dias seguintes, demonstrando a apreensão do ministério de Vargas. No dia 18 de julho, em caráter “urgentíssimo”, seguiu novo telegrama, que especificava a encomenda: “cinco Boeings com motor Hornet e dez aviões Vought-Corsair com motor Hornet ou então cinco aviões Hawk com motor Wright-Cyclone e dez aviões Helldrives com motor Wright-Cyclone”, “novos e inteiramente equipados com o equipamento militar americano”. 
Ainda em julho, também foram feitos pedidos pelo Ministério da Guerra às fábricas Waco Aircraft Company Troy, do Estado de Ohio, e Colt Patent Fire Arms, em Connecticut, de metralhadoras de aviação, cartuchos e outros materiais bélicos. Todos com requisição expressa de facilitação no embarque para o País.
Foi requerido, até mesmo, que as forças armadas americanas abrissem mão dos próprios aviões, ainda em processo de fabricação, “como prova de amizade” – tamanha a premência do cenário brasileiro. Uma comunicação de agosto confirma que foram adquiridas 28 aeronaves. Mas os registros não informam se foram efetivamente utilizadas contra os insurretos. A brevidade da revolução indica que não.
Fonte: Roberta Pennafort, O Estado de S.Paulo
09 Julho 2017 | 03h00

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